Do Leal, passando um corregosinho, caminhamos três léguas em cerrados, cujas árvores, à maneira de graciosos bosquetes, sombreavam agradavelmente o chão. É um pedaço bonito de estrada, e como se pode desejar numa feita pela arte, até a casa de Albino Latta; depois entra-se em campos dobrados até a vila de Santana do Paranaíba, quatro léguas distante do Albino. O aspecto da povoação pareceu-nos sumamente pitoresco, talvez pelo desejo ardente de alcançá-la como o ponto terminal do sertão de Mato Grosso ou como o último laço que nos prendia àquela província, em que tanto havíamos sofrido, talvez pela estação em que chegávamos; na realidade, metidas de permeio às casas, moitas copadas de laranjeiras, coradas de milhares de auríferos pomos, ao lado d’outras carregadas de cândidas flores, encantavam as vistas e embalsamavam ao longe os ares, trescalando o especial aroma. Tão boa recomendação não é desmentida pelo sabor dos frutos; de fato, são deliciosos e justificam a reputação de que gozam na província de Mato Grosso.
Transpondo um corregosinho e subindo uma ladeira onde há míseras casinholas, chega-se à principal rua da povoação, outrora florescente núcleo, hoje dizimada das febres intermitentes, oriundas das enchentes do Paranaíba, ou pelo menos já estigmatizada desse mal, o que quer dizer o mesmo, visto como os moradores que de lá fugiram, não voltam mais; 800 habitantes mais ou menos, três ou quatro ruas bem alinhadas, uma matriz em construção há muitos lustros, o tipo melancólico duma vila em decadência, o silêncio por todos os lados, crianças anêmicas, mulheres descoradas, homens desalentados, eis a vila de Santana, ponto controverso entre as províncias de Goiás e Mato Grosso, pretendendo esta a posse por tê-la fundado e aquela por ter-lhe dado os meios de vida, enviando-lhe a pedido dos moradores, o mestre escola, o pároco e outras autoridades. Hoje os moradores formam colégio eleitoral da última província; entretanto Goiás não desistiu de suas reclamações e a questão pende dos competentes juízes.
Fomos pousar na casa do major Martim Francisco de Mello Taques, a única de sobrado da vila, e a maneira hospitaleira com que aquele cavalheiro nos tratou obriga-nos a sincero reconhecimento, pois não era ela a manifestação desse sentimento natural em todos os homens primitivos, era a prática duma qualidade que havia adquirido predicados só próprio do conhecimento das cidades. Tivemos um jantar delicado, bom vinho, atenções e por fim excelentes camas, onde, depois de ligeira conversa com o dono da casa, que por delicadeza a encurtou, pudemos estender os lassos membros, costumados havia muito, às duras gibas e rugas do couro estendido por terra.
FONTE: Taunay, Viagens D'outrora, 2a. edição, Companhia Melhoramentos, São Paulo, 1921, página 61.
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